sábado, 16 de janeiro de 2010

O que eu entendo por "Filosofia"?

De acordo com meu entendimento, Filosofia é um ramo do saber analítico tal como as ciências naturais, as ciências sociais, a Matemática e a Semiótica. Encaro-a, portanto, como uma ciência; só que uma ciência que ainda não conseguiu se estabelecer como conhecimento mais confiável, seguro, válido.

A Química, por exemplo, conseguiu se fortalecer como conhecimento sólido principalmente após Dalton. Penso que o fato de a Filosofia ter como objeto o próprio pensamento torna mais difícil a sua solidificação, quando em comparação com outras ciências. Daí decorrem os traços de "saber artesanal" e de consequente "culto ao artista filosófico" (adoração à personalidade do autor), especialmente se ele estiver morto (o que aumenta a idealização romântica e a paixão cega).

É preciso, de acordo com o que penso, uma modernização na Filosofia que mude o foco do autor para a obra, que estabeleça a investigação racional através da análise dos argumentos dos autores por uma comunidade filosófica que dialogue e preze pela busca da verdade acima de tudo. Assim, a Filosofia atingirá o nível de outras ciências modernas e poderá contribuir mais efetivamente para o desenvolvimento do saber humano, criando tecnologias intelectuais que possam proporcionar bem estar e felicidade no cotidiano das pessoas que busquem melhor qualidade de vida.


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terça-feira, 27 de outubro de 2009

Uma crítica ao pessimismo

"(...) o pessimismo é uma teoria bem consoladora para os que sofrem, porque desindividualiza o sofrimento, alarga-o até o tornar uma lei universal, a lei própria da vida; portanto lhe tira o caráter pungente de uma injustiça especial, cometida contra o sofredor por um destino inimigo e faccioso! Realmente o nosso mal sobretudo nos amarga, quando contemplamos ou imaginamos o bem do nosso vizinho; porque nos sentimos escolhidos e destacados para a infelicidade, podendo, como ele, ter nascido para a fortuna. Quem se queixaria de ser coxo - se toda a humanidade coxeasse? E quais não seriam os urros, e a furiosa revolta do homem envolto na neve e friagem e borrasca de um inverno especial, organizado nos céus para envolver a ele unicamente - enquanto em redor, toda a humanidade se movesse na luminosa benignidade de uma primavera?

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"(...) o pessimismo é excelente para os inertes, porque lhes atenua o desgracioso delito da inércia. Se toda meta é um monte de dor, onde a alma vai esbarrar, para que marchar para a meta, através dos embaraços do mundo? E de resto todos os líricos teóricos do pessimismo, desde Salomão até Schopenhauer, lançam o seu cântico ou a sua doutrina para disfarçar a humilhação das suas misérias, subordinando-as todas a uma vasta lei da vida, uma lei cósmica, e ornando assim com a auréola de uma origem quase divina as suas miúdas desgraçazinhas de temperamento ou de sorte.(...)"

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Jacinto filosofa a José Fernandes sobre o pessimismo na obra "A Cidade e as Serras", de Eça de Queirós.

sexta-feira, 21 de agosto de 2009

Culpados de velhice

A ideologia dos assassinos de velhos é apenas uma derivação daquela que vê no ancião um morto precoce

José de Souza Martins* 


VÍTIMAS – Estado e sociedade também abusam da fraqueza do idoso

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A violência contra idosos tornou-se um tema relativamente frequente na mídia, nos últimos anos, especialmente os casos de assassinato de casais dentro da própria casa. Como o ocorrido em Niterói, há poucos dias, em que o engenheiro aposentado Humberto Cardoso Chaves (74) e sua mulher, Lenice da Assunção Cardoso Chaves (72), foram mortos a pauladas. Diferentemente, porém, da maioria das ocorrências de violência com sangue, esse tipo de assassinato chama a atenção pelo fato de que as vítimas tinham alguma relação de proximidade com seus assassinos. Dos cinco suspeitos detidos, neste caso recente, alguns eram amigos do casal. No caso do assassinato, a machadadas, de Abadia das Dores Policarpo (63) e Joaquim Corrêa (53), em Franca (SP), em junho, o assassino, um jovem de 19 anos, alegou ser muito xingado pelo casal, tendo ela chegado a formalizar queixa contra ele na polícia. No caso da morte de Maria da Glória dos Santos Colovati (70) e do marido, Jorge de Araújo (53), em maio de 2007, na Vila Alpina, em São Paulo, a execução se deu por asfixia em sacos plásticos, depois de terem tido as mãos amarradas. O principal e mais forte suspeito das mortes era amigo de um falecido filho de Maria da Glória. Recém-saído da prisão, fora acolhido pelo casal, que procurou ajudá-lo. A morte, a facadas, de Sebastião Esteves Tavares (71), um ministro da Eucaristia, e Hilda Gonçalves Tavares (67), uma cultivadora de orquídeas, no bairro de Perdizes, em São Paulo, em novembro de 2006, foi praticada por um jovem quase vizinho do casal. 

 

Estamos acostumados a pensar esse tipo de violência sendo praticada por desconhecidos, que invadem a casa de pessoas que, pela idade, são indefesas, matando-as com crueldade para, quando muito, se apossar de uns poucos bens. No geral, os idosos, por sua fragilidade natural, supostamente podem ser dominados mais facilmente e estão mais expostos à violência dentro ou fora de casa e são muitas as ocorrências que comprovam essa suposição. Porém, o eixo da compreensão da questão deve ser deslocado da violência em si para a fragilidade que a possibilita, se quisermos situar melhor as ocorrências e criar o cenário de uma cultura autoprotetiva para os idosos. 

 

No Brasil, os idosos não são vítimas apenas de bandidos. O Estado e a sociedade, de vários modos, têm se aproveitado de sua fragilidade, que não é apenas física, mas é também social, cultural e política. A depreciação do velho, entre nós, está centrada na ideologia que nos rege, relativa à inferioridade social dos improdutivos, que alcança de outros modos também crianças, doentes e incapazes. Essa ideologia perversa nada tem de moderna. Modernas são as sociedades que se pautam pelo reconhecimento da humanidade de todos e não reduzem a humanidade do homem ao meramente econômico. Nossa transição do trabalho escravo para o trabalho livre não se consumou plenamente, mantendo-nos como sociedade retardatária e lenta em que avançamos muito na economia e pouco nos direitos efetivos que nos humanizariam na igualdade não só jurídica, mas também social. 

 

Essa mesma ideologia preside os atos criminosos que estamos examinando e todo o elenco de violências que alcançam os idosos até mesmo no refúgio de suas casas e nos lugares em que eles se supõem protegidos. As explicações dos agressores nos mostram isso. A ideologia dos assassinos de velhos é apenas uma derivação da ideologia abrangente que concebe o velho como um morto precoce, sendo o ato de eliminá-lo considerado pelos autores, por isso mesmo, um crime menor, porque contra pessoa supostamente inútil, que não vai precisar do que lhe for roubado. A indignação de crimes contra velhos dura menos que a dos contra jovens, como se vê em diferentes casos. O fato de que o País disponha de um elenco de textos legais relativos aos direitos dos idosos é, não raro, mera expressão do nosso cinismo político e do oportunismo eleitoreiro que nos degrada. Passamos anos fazendo leis para assegurar direitos aos desamparados e passamos outros tantos anos debatendo como se fará para que as leis se tornem efetivas.

 

Originários de uma cultura política que de certo modo ainda vige, em que todos são iguais perante a lei, mas muitos são menos iguais, os idosos são vitimados pelo conformismo com as migalhas que recebem. Esse descompasso em relação ao propriamente republicano está articulado com outros modos atrasados de ser e viver que nos caracterizam. É nesse sentido que são eles vitimados também por uma cultura de vizinhança quase ineficaz, aquilo que a sociologia, desde seus inícios, chama de estado de anomia, os relacionamentos sociais conduzidos por valores e normas ultrapassados numa situação social que não gerou ainda as normas que lhe correspondam. Os relacionamentos são regidos por esse atraso do real em relação ao necessário. Os idosos, mais do que outros membros da sociedade, foram socializados e educados no mundo da solidariedade comunitária, da ajuda mútua, da cooperação vicinal. Esse mundo foi destruído pela cultura residencial individualista dos prédios de apartamento e das residências isoladas dos vizinhos pelos muros de uma solidão imensa, que se expressa na anulação da pessoa na figura do indivíduo. A cultura em que a casa tende a já não ser um lugar de ficar, mas mero lugar de passar. Só os velhos ficam. 

 

Os casos que mencionei acima são justamente aqueles em que os agredidos se julgaram situados no mesmo grupo de pertencimento e referência daqueles que os agrediram. Julgaram que entre pessoas que se conhecem os relacionamentos se baseiam na reciprocidade e no respeito e não se deram conta de que, na nossa modernidade híbrida, valem as performances, a duplicidade de parecer uma coisa e ser outra, a competência no fingimento e na duplicidade. O que nos mostra que a velhice da vítima é a velhice de seus valores de referência, que a fragiliza porque dessa fragilidade e desse equívoco se valem aqueles que lhe invadem a intimidade doméstica e a mata. 

 

*Professor emérito da Faculdade de Filosofia da USP. Autor de Fronteira – A Degradação do Outro nos Confins do Humano (Contexto, 2009)

domingo, 16 de agosto de 2009

A vida em linhas tortas

Devemos nos desenvolver em linha reta, de acordo com as expectativas da sociedade? Em diversos momentos da história humana diversos modos de ser formaram a consciência coletiva e instituiram padrões de existência. Uma poesia de minha autoria trata da visibilidade turva de quem se sente diferente e tenta criar seu caminho em meio às intempéries da vida.

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Poema em linhas tortas

O solo é úmido, pantanoso
É possível caminhar?
Talvez, se encontrasse
As minhas botas...

Parece fértil,
Mas estariam as sementes
Secas?

O caminho é uma linha reta
Mas os meus olhos o enxergam
Como zigue-zague
E sinto como se andasse
Em círculos...

Submerso, quase sem ar
Vislumbro uma luz
De relance
Realça no labirinto
Um semblante
Que aponta para a menor distância
Entre o ponto final
E um novo parágrafo

Resignado, permito-me ser guiado
Ao infinito...
E ponho-me a reescrever
A biografia da humanidade que sou.

Thonni Brandão

domingo, 9 de agosto de 2009

Eu sou normal? (1ª parte)

Para inaugurar este blog vou postar um texto com reflexões importantes sobre a normalidade. Mas antes tenho uma reflexão a propor (como não poderia deixar de ser): Você é normal?

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Eu sou normal?

Para a filosofia essa pergunta não tem sentido

http://www1.uol.com.br/vyaestelar/filosofia_personalidade.htm

por Monica Aiub 

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Quando nosso modo de ser se diferencia do comum, muitas vezes somos chamados de anormais, loucos. Dependendo do contexto em que isso ocorra, poderá provocar dúvidas em nós: sou normal? Estou enlouquecendo? É normal pensar assim? É normal viver assim?

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Você já se fez alguma dessas perguntas na vida? Antes de qualquer resposta é preciso avaliar: o que significa ser "normal"?

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No Dicionário de Filosofia (2003), Abbagnano define normal como "aquilo que está em conformidade com a norma"; "aquilo que está em conformidade com um hábito ou com um costume ou com uma média aproximada ou matemática ou com o equilíbrio físico ou psíquico".

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Desta definição poderíamos concluir que o normal é uma média do comum, ou de uma maioria. Assim sendo, se não reproduzirmos os hábitos ou costumes de nossa sociedade, seremos anormais? Quantas vezes hábitos, costumes, regras, leis de uma sociedade foram modificados? Historicamente há muitos exemplos: o papel da mulher na sociedade, a escravidão, os valores morais, as relações de trabalho, as formas de organização das sociedades… Numa mesma cultura são verificadas modificações no tempo, e num mesmo tempo é possível perceber claramente diferenças culturais regionais.

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Se você já viajou para outro país, ou mesmo para regiões diferentes de nosso país, deve ter observado hábitos, costumes diferentes. As pessoas daquela região, por possuírem hábitos diferentes dos seus, são anormais? Você é anormal? Qual a norma à qual deveremos estar em conformidade?

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Diferentes grupos criam diferentes regras, constituem seus hábitos. Discordar dos hábitos de seu grupo e desejar construir uma forma diferente de organizar sua vida permite considerar que você é anormal? Questionar os costumes de sua sociedade significa ser anormal? Concluir isso implicaria em reproduzir costumes, em estagnação, imobilidade, ausência de construção. As normas seriam consideradas e reconhecidas como absolutas e invariáveis.

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Se somos responsáveis pelo mundo que construímos, assim como pelas formas de existência que criamos, necessitamos avaliar constantemente nossa própria construção. Por isso, nossas atividades, nossos valores, nossas leis, nossas normas modificam-se de tempos em tempos, a fim de acompanhar as mudanças originadas nesta construção. Da mesma forma, o que consideramos normal também varia.

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Mas no cotidiano, normal é considerado aquele que se submete à pressão das normas, que age como se espera; "anormal" é quem foge às regras, quem busca saídas criativas. E quando um comportamento, tido como normal, não é aceitável para a pessoa? E quando construímos socialmente uma norma de comportamento que traz malefícios? E quando seguir a regra implica em abandonar os sonhos que dão sentido à existência? O que fazer?

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Busquemos um equilíbrio. Se considerarmos normal aquilo que está em conformidade com o equilíbrio, precisaremos, inicialmente, esclarecer o conceito de equilíbrio. Se equilíbrio for uma medida absoluta, nos encontraremos novamente diante da impossibilidade de estabelecer um padrão de normalidade; se for um equilíbrio subjetivo, então como traçar uma medida? Como avaliar se algo é normal ou não?

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As idéias e comportamentos de uma pessoa podem estar fora da medida convencionada socialmente e essa ser a sua medida, trazendo-lhe equilíbrio. Idéias e comportamentos podem estar fora da medida convencionada e isso ser impedimento para a vida. Em filosofia clínica, a diferença entre normal e anormal está na forma como essas idéias ou comportamentos afetam a vida do *partilhante e seu contexto. O objetivo é auxiliar a pessoa a encontrar a própria medida de equilíbrio. Uma medida que não é absoluta, mas acompanha o movimento da existência.

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* partilhante é aquele que recorre à filosofia clínica

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Monica Aiub

Filósofa Clínica. Mestre em Filosofia da Mente (UFSCAR-SP). Professora Titular do curso de Especialização em Filosofia Clínica do Instituto Packter. Autora dos livros: Filosofia Clínica e Educação (WAK, 2005); Para Entender Filosofia Clínica (WAK, 2004); Sensorial & Abstrato: como avaliá-lo em Filosofia Clínica (APAFIC, 2000). www.institutointersecao.com